Faleceu Nadir Gouvêa Kfouri, o símbolo de uma PUC humanista, democrática e comunitária.
Há pouco mais de uma semana, uma notícia desoladora abalou a comunidade puquiana: Nadir Gouvêa Kfouri, reitora da PUC de São Paulo entre 1977 e 1984, faleceu. Dona Nadir, como era carinhosamente tratada na comunidade, foi a primeira mulher a comandar uma universidade católica no mundo e a primeira pessoa eleita para ocupar uma reitoria universitária na história do Brasil, em plena ditadura militar.
Para ocupar o cargo necessitou enfrentar o conservadorismo de uma instituição católica (necessitando, inclusive, de intervenção junto ao papa para ocupar o posto). Fazer da PUC um símbolo de excelência e democracia foi uma tarefa difícil para Dona Nadir, que não teve como barreira apenas dois membros do clero em uma instância universitária, como atualmente. Contra ela e suas políticas existia a repressão da ditadura, ordenada pelos governantes e exercida a punho de ferro pelo exército brasileiro de então.
Ela foi a responsável pela implementação da democracia puquiana, passando a reitoria a ser diretamente eleita pelos votos dos alunos, professores e funcionários. Durante aqueles anos difíceis, nos quais o direito ao voto e à liberdade de opinião eram irrisórios, dona Nadir criou um paradoxo, transformando o ambiente universitário num microcosmo do que deveria ser o país. Ao associar a luta por excelência acadêmica à luta radical pela democratização em todas as esferas, fez da PUC uma provocação em forma de universidade: a Gloriosa ousava ser democrática e livre em meio a um mar de repressão.
Hoje, o paradoxo se inverte e o Brasil, que não mais atravessa o estado de exceção, democratizando-se e desenvolvendo-se progressivamente, é sede de uma PUC cada vez mais fechada ao diálogo, responsável pela demissão arbitrária de inúmeros professores ao longo dos anos e pela recente perseguição a alunos bolsistas. É uma universidade diametralmente oposta à PUC de Nadir Kfouri, que não dispensou, mas acolheu professores como Paulo Freire, Octávio Ianni e Maurício Tragtenberg, entre tantos outros alijados do magistério nas universidades estatais.
Lembrar dona Nadir – e é uma pena que a instituição não o tenha feito de forma digna ao saber do falecimento - deixa saudades de uma PUC que não vivemos e nos dá ânimo para seguir lutando por um espaço de democracia e pela manutenção da qualidade da Pontifícia frente a onda de mercantilização do ensino, fazendo jus ao legado que nos deixou a reitora. Sua história de vida confunde-se com a da própria comunidade, que se perdeu em meio a interesses econômicos, e nos prova que sim, pode ser diferente. Nossa universidade ainda vale a pena. Precisamos resgatá-la e transformá-la novamente no motor da vanguarda democrática do país, o lugar que é seu por excelência.
Grupo Disparada