domingo, 8 de maio de 2011

STF Reconhece União Estável entre Casais Homoafetivos


Plenário do STF na leitura do último voto -- STF divulgação

“O que se pede em primeiro lugar é que esse tribunal declare a partir de hoje que qualquer maneira de amar vale a pena” -- Luís Roberto Barroso na sustentação oral.
 "Não se separa por um parágrafo o que a vida uniu pelo afeto" -- Ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, em seu memorável voto


População comemora decisão na Av. Paulista em SP. UOL


O Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade a união estável homoafetiva, pela interpretação conforme a Constituição do art. 1723 do Código Civil. Julgou-se nesta semana a ADPF 132-RJ, que pela convergência de objeto foi reunida a ADI 4277-DF, no regime jurídico mais amplo da Ação Direta de Constitucionalidade, visto que a ADPF tem caráter subsidiário, sendo assim relator o Ministro Ayres Britto.
São afetadas pelo julgamento as uniões homoafetivas que se caracterizem por sua durabilidade e continuidade; conhecimento público e convivência pública; e finalidade de constituir família, ou seja, que atendam aos mesmos requisitos exigidos pelo Código Civil às uniões estáveis entre homem e mulher.
A decisão do STF responde qual o regime jurídico que afetará tais relações, se o de sociedade de fato, vínculo de caráter privado com finalidade patrimonial ou econômica, que vinha sendo aplicada por algumas decisões judiciais, ou o da união estável, definida no parágrafo anterior e finalidade do pedido de controle constitucional.
O empecilho ao pronto reconhecimento da união estável homoafetiva em juízo e, também, a delimitação do alcance de direitos dessa decisão, é a inexistência de regra infraconstitucional específica sobre a matéria. Porém, tal caracterização é conteúdo de direitos fundamentais, constante na Constituição Federal de 1988, como o da dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade, e de princípios constitucionais, como o da segurança jurídica e a vedação ao tratamento discriminatório, que são de aplicação imediata.

Tal ponto é justificado pelo Procurador-Geral da República em sua petição: “em um Estado Democrático de Direito, a efetivação de direitos fundamentais não pode ficar à mercê da vontade ou da inércia das maiorias legislativas” e consta do artigo 5°, parágrafo 1°, da CF, que dispõe: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”.

Se pela ausência de regra específica e impossibilidade de aplicação dos direitos e garantias fundamentais, justificada pela falta de densidade jurídica destes, não reconhecer o judiciário a união estável aos casais homoafetivos e inexistindo no ordenamento outro regime específico aplicável, tal situação configura-se inequivocamente como geradora de insegurança jurídica aos diretamente relacionados e a terceiros que venham a travar relação com estes.

Isso nos remete ao debate sobre o direito dos homossexuais realizado no último Congresso Nacional de Direito Constitucional, ocorrido em Natal, Rio Grande do Norte, ao fim do mês de Abril, cujo tema central foi “Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais” - que contou com alguns membros deste grupo em sua platéia. O tema foi recorrente, haja vista que nos encontrávamos às vésperas do referido julgamento no STF - esses eram correspondentes à ADIN 4277, ajuizada pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, e à ADPF 132, de autoria do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
Os palestrantes que trataram sobre o assunto no Congresso foram os grandes juristas Luís Roberto Barroso e Daniel Sarmento. Barroso, na figura de advogado do Governador do Rio de Janeiro na ADPF 132, palestrou com o talento que lhe é peculiar, quase como em uma prévia da belíssima sustentação oral no plenário do STF.
Mais do que assunto atual, o julgamento do Supremo Tribunal Federal era o assunto da semana, pois dia 04/05 começaria a se delinear um marco na história da evolução da sociedade brasileira e para aplicação dos direitos fundamentais de minorias. Os palestrantes que trataram sobre o assunto no Congresso foram os grandes juristas Luís Roberto Barroso e Daniel Sarmento.

                                                                                                                         Barroso em sua sustentação oral no STF
Luís Roberto Barroso, como advogado do Governador do Rio de Janeiro na ADPF 132, falou de modo majestoso, quase que uma prévia da belíssima sustentação oral no plenário do STF. O tema da palestra era “Dignidade da Pessoa Humana, direitos fundamentais e casos difíceis”, iniciou-se com a evolução histórica do Direito em que o intérprete se tornou co-participante na construção de normas e definindo a natureza jurídica do princípio da Dignidade da Pessoa Humana e sua utilização como critério interpretativo em conflito de normas.
Definiu como conteúdos mínimos desse princípio: o valor intrínseco da pessoa humana, que nenhuma pessoa existe neste mundo para servir a outra e o Estado é um meio para servir a condição humana; a autonomia, resumida no direito de viver a própria vida com os valores que escolher; e o valor comunitário, definido na sua existência para proteção do individuo contra si mesmo, contra terceiros e proteção de valores sociais.

Daí, a abordagem do caso deste julgamento do STF quanto à união estável homoafetiva, que não é contrária ao direito se constituída por duas pessoa capazes de realizar atos jurídicos, conceito definido pelo Código Civil; não envolver terceiros ou atingir/restringir direito de outrem estranho à relação em questão; e, por fim, não houver interesse que se possa contrapor, ou seja, verifica-se se não há na sociedade como um todo a posição contrária a tal conduta.

Já em sua sustentação argumentou pelo princípio da igualdade em relação ao respeito e a consideração; pelo princípio da liberdade, ou seja, o direito de fazer aquilo que a lei não interdita; e pela dignidade da pessoa humana, baseada no fato de que as pessoas devem ser tratadas como um fim em si mesmo.
Em momento posterior, Daniel Sarmento palestrou, com o seguinte subtema “Dignidade da Pessoa Humana e Sexualidade”. Nessa palestra expôs em pouco tempo, o que havia já tratado em dos artigos publicados em de seus livros.[1]
Durante a exposição ele fez duas perguntas e respondeu de modo preciso, sendo que a primeira será citada agora:
“Porque é tão importante deixar o homossexual se unir com o parceiro numa união estável?”
1. Possibilidade de adquirir direitos dados a casal de homem e mulher, por exemplo, os previdenciários, assim como tanto outros.
 2. O fato de que não podemos tratar com diferença a pessoa por essa ser homossexual, mostrando que essa não é respeitada ou levada em consideração, até porque iria contra o escrito em nossa Constituição.
Realmente, quanto a esse segundo ponto é necessário sim respeitar a todos, sem distinção.
Precisamos lembrar que, primeiramente, em âmbito mundial a homossexualidade já não é mais considerada desde 1985, diga-se de passagem, tardiamente, pela Organização Mundial da Saúde uma doença.
E que outro fator que poderia impedir os homossexuais de ter direitos atendidos no Brasil, já foi abolido desde a Constituição de 1891, que foi a relação entre Estado e Igreja. Assim, por mais que a Igreja não aceite as uniões homoafetivas, o Estado não poderia deixar se influenciar por isso, pois defende os direitos de todos.
Esse entendimento, felizmente, prevaleceu no Supremo Tribunal Federal, que decidiu a favor da equiparação das uniões homoafetivas com as uniões estáveis por 10 votos (o Ministro Dias Toffoli se declarou impedido de votar no caso) previstas tanto no artigo 226, §3° da Constituição Federal e o art. 1723 do Código Civil.
Além dos princípios citados anteriormente, a decisão foi baseada em pelo menos mais dois: o da segurança jurídica e a vedação ao tratamento discriminatório, que são de aplicação imediata.
É preciso ressalvar que a posição de alguns ministros - como Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski - apesar de favorável ao reconhecimento, trouxe em seu conteúdo dado número de ressalvas - sobretudo no que concerne à restrição da abrangência do reconhecimento e pela necessidade de que certos itens referentes a tal processo são do Poder Legislativo.
A decisão do STF tem efeito vinculante, porém não há delimitação de quais direitos são alcançados pelo reconhecimento da União Homoafetiva, para isto - segundo o Ministro Peluso, é necessária a atuação do Poder Legislativo na regulamentação dos efeitos da decisão. Porém, é certo que são conferidos pela decisão a possibilidade de adoção a casais homoafetivos, os direitos previdenciários e de ordem patrimonial, em igualdade aos casais héteros. Como atesta a especialista em direito homoafetivo Maria Berenice Dias em recente entrevista ao Portal Terra.
Sem dúvida alguma, trata-se de uma grande vitória para a sociedade brasileira. Podemos dizer que estamos diante da história viva, sem a frieza dos papéis que no futuro trarão artigos sobre o que está a acontecer agora.
Agora, por fim, podemos expor a segunda pergunta e resposta do Daniel Sarmento:
“Por que não o casamento?”
Os argumentos são o mesmo, pois se trata de uma instituição civil, e não religiosa.
Daniel Sarmento, por sua vez, fala o seguinte em seu livro supra-referido:
“O reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo em nada comprometeria o instituto do casamento (...). O casamento continuaria sendo como concebido como uma comunhão de vida entre duas pessoas, de natureza exclusiva, decorrente de um ato solene”
Comemoração na Paulista - Folhapress

Essa deverá ser a próxima discussão a ser travada na nossa sociedade; para além do reconhecimento da união estável, é necessário que se dê um passo além e se assegure o direito ao casamento, posto que isso nada mais é do que o reconhecimento da igualdade formal dentro de um sistema jurídico-constitucional que tem por objetivo, inclusive, a própria igualdade substancial. Portanto, esperemos e torçamos pelo melhor!

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